segunda-feira, 3 de janeiro de 2005

Carta de Natal

Queridos amigos e parentes Há uma tradição aqui na Noruega, que eu decidi incorporar, de escrever cartas de Natal para os mais próximos, fazendo um balanço do ano que vai terminando e contando as esperanças para o ano que vem vindo. Para minha sorte, tenho muitos amigos e parentes que amo, mas a desvantagem é que escrever para cada um de vocês consumiria tanto um monte de tempo quanto uma soma representativa de dinheiro. Portanto decidi escrever uma carta geral, publica-la na internet, e mandar copias impressas para os que ainda não se entregaram aos prazeres da tecnologia. PRIMEIRO SEMESTRE No primeiro semestre deste ano, muitas coisas positivas e negativas aconteceram, como sempre. A diferenca essencial é que eu estava no início do tratamento de uma doenca chamada Transtorno de Panico, que faz com que eu reaja exageradamente a determinados estimulos, a maioria deles ligados a hipocondria. Ou seja, se eu leio uma bula ou vejo algo descritivo sobre doenças na TV, e estou num periodo de stress, BUM! Meu cérebro, que anda fraco das pernas de serotonina, manda mensagens criptografadas para meu sistema mais do que nervoso e eu experiencio todos os sintomas da tal doença que eu nao tenho. Então, além do decorrer normal das coisas, tive que derrotar meu preconceito contra receber tratamento psiquiatrico e psicologico (alias, muito obrigada a Biba pela super força, nao sei o que seria de mim sem voce!, e a Dra. Maria Amélia, que sempre me esteve disponível, ao vivo ou pelo telefone, nos momentos de maior desespero). Precisei também lidar com a burocracia do processo de seleção de mestrado pra Universidade de Oslo (me pediram até um documento comprovando que eu sei falar português!) e visto de estudante pra Noruega (Pri, amiga, valeu a forca e o fax!). Por último, mas não menos estressante, a luta exaustiva para terminar a faculdade. O fato de ter deixado as matérias mais pesadas para o fim do curso não ajudou muito, e o apoio de figuras fantásticas como Antônia, Risonete e Tânia Lobo foi o que me salvou de ter um piripaque. Estar de volta à minha cultura, minha lingua e meus amigos foi absolutamente delicioso. Sair à noite e acabar no postinho, fazer compras no Bom Preço às quatro da manhã, jogar sinuca com a cafajestada, passear em Cachoeira, passar alguns dias fabulosos numa viagem com mamãe por Fortaleza, Natal e Recife… O ano começou com minha amada irmã Legião do Mal (também conhecida como Lena) sendo aprovada em primeiro lugar no vestibular da UFBa para o curso de Psicologia. Todos nós ficamos muito orgulhosos, felizes e satisfeitos com a conquista de Leleu, que durante o último ano tinha estudado como uma condenada. Além disso, foi delicioso ter voltado ao seio da família depois de mais de um ano e encontrar minha irmãzinha transformada na mulher obstinada, segura e fantástica que todos que a conhecem sempre souberam que ela viria a ser. Infelizmente logo em Fevereiro duas pessoas que eu amo muito perderam entes queridos, e isso machucou bastante. Primeiro Julia perdeu sua madrasta, que eu há poucas semanas tinha conhecido, numa tentativa de assalto. Depois de alguns dias, Priscilla, minha prima, perdeu o irmão num terrivel acidente de carro. Eu tentei estar presente o maximo que pude, mas a sensação de impotência reinou nesse periodo pra mim… Ainda assim o carnaval foi divertido. Muitas pessoas de quem eu sempre gostei mas nunca fui muito proxima se tornaram minhas super amigas, como Paula, Rosane, Larissa, Lia Lordelo, Joaquim, Christian, Lucio, Andre Chip, Bau. Muitas pessoas novas chegaram na minha vida, espero, para ficar, como Ike, Pastelito, Lulu, a bugada toda, enfim, Daan, Janelle (também conhecida como Windows), Adelena, Marcio Nonato. Com a correria do dia-a-dia, ficou dificil manter muito contato com pessoas que eu adoro, como Marcos Rodrigues, Rafael Bocão, a galera da Bahiabeat, Fabim, Wallace, Fabão, Cela, Marcelo, Daniela, Joel, a galera do Caroço. Trabalhei para uma produtora musical chamada Cajazz e Umblues, e embora minha estadia na empresa tenha sido curta, tive otimos momentos, e conheci pessoas maravilhosas, como Mauro, Pedro, Ana Paula e Alexandre, que se tornou meu amigo para além do ambiente de trabalho. Outro grande momento do primeiro semestre do ano foi a visita que eu recebi do meu namorado, Eystein (conhecido por muitos de vocês como O Namorado, Bacalhau ou Zé). Ele adorou o Brasil - comida (especialmente carne do sol e aipim), havaianas, guaraná, paisagens - e todo mundo que conheceu. E todos os que o conheceram (famíliares de sangue, de farra e de fé) também se deram muito bem com ele. Ele ficou super encantado com a visita que fez à Casa Branca, e desde que voltou do Brasil dorme com a guia de Oxalá na cabeceira da cama. Outra criatura maravilhosa que apareceu em Salvador enquanto eu estava lá foi Janna, namorada de Felipe, que ao longo dos anos se tornou uma grande amiga. Tivemos a oportunidade de fazer vários passeios juntas, e nos conhecer ainda mais a fundo - e eu espero sinceramente que um dia eles dois também consigam superar a barreira do Atlântico. Bem, foram muitas festas, muitas alegrias, tive a honra de participar como produtora, junto com a minha ‘bróder’ Mi, de uma montagem belíssima d”Os Fuzis da Senhora Carrar”. Retomar meu contato com o teatro, ainda que de forma diferente, foi super revitalizante e recompensante. Em Junho fui com minha mãe a São Paulo. Rever a minha família foi absolutamente delicioso. Meus primos continuam figurando entre as pessoas mais engraçadas e amorosas que conheço, e, privilégio “martinellesco”, cada quinze minutos passados com meus tios e avós é diversão garantida. Embora minha querida tia Niara tenha se mudado de volta pro Rio e deixado um vácuo no núcleo familiar, a visita de minha prima Ismene (que está morando nos Emirados) e o nascimento do meu primo Vickinho (que ainda nao conheci, mas ja vi fotos, e é uma gostosura) foram foram acontecimentos que nos trouxeram muita alegria. SEGUNDO SEMESTRE Ter amadurecido para a vida adulta a nove mil quilômetros de distância dos meus pais, irmã e amigos mais intimos não foi fácil, mas aprendi muita coisa (até a cozinhar um pouquinho), sobretudo sobre mim mesma. E dessa experiência talvez a frase que reflita mais minhas reflexões, em meu diario de 2002-2003, seja “A maior riqueza que eu tenho são meus amigos”. Parece coisa roubada daqueles livros de minutos de sabedoria, mas é verdade. Outra teoria minha é que virar adulto é chegar à triste constatação de que os clichês têm razão. Depois de muita angústia, frustração e adiamento de passagem, finalmente meu visto saiu. Como as malas já estavam prontas, tudo o que precisei fazer foi dar ‘até logo’ pra galera e embarcar de volta pra Geladeira do Mundo. E que sentimento estranho… voltar a Oslo foi especial. Foi como se eu nunca tivesse deixado esta cidade. Tudo voltou a mim rapidamente - a língua, os costumes, a rotina. Rever os amigos também foi fabuloso. Graças a Oxalá todo mundo vai bem, e muitos deles ou moram perto ou também estudam na Universidade de Oslo. O Markus (filho de Nina e Kåre) está enorme, e continua um anjo. Mai-Chi (filha da Minh e do Dong) está um amor, uma espoletinha. Laura (filha do Tarje e da Toril) parece um bebê de propaganda de tão linda. Obviamente reencontrar o Namorado foi fantástico. Ele me recebeu muito bem, e ao entrar em casa notei detalhes muito fofos - uma estante para os meus livros, espaço para minhas tralhas no guarda-roupa e coisas que eu gosto de comer na geladeira. Claro que nos primeiros dias tivemos alguns atritos (normais, já que passamos dez meses morando separados), mas logo nos afinamos de novo, e desde então tudo tem funcionado muito bem. Nós dividimos todas as tarefas e contas, nos apoiamos e divertimos. Resumindo, desde que cheguei aqui tudo tem ido bem. É claro que recomeçar a vida em outro contexto sempre é um pouco difícil. O dinheiro é contado, e as responsabilidades só aumentam, dando tanta liberdade quanto dor de cabeça, e o namoro exige constante manutenção. E assim vou seguindo, observando as estações que passam, mudando de ‘figurino’ a cada três meses, curtindo a cidade com meu gato e meus amigos, sentindo saudades e lavando as pilhas inacabáveis de prato e roupa suja. A partir de amanhã meu cunhado (Henning, 23 anos) vai se mudar pra Oslo de Trondheim e, enquanto não ajeita sua vida, vai ficar hospedado aqui em casa. Nós desmontamos o laboratório fotográfico, pintamos as paredes e improvisamos um quarto modesto. Vai ser bom ter mais uma pessoa pra lavar os pratos (hehe). Passamos o Natal em Hanestad, junto com Henning, Linda e Helge (mãe e padrasto do Namorado). A comida estava maravilhosa - arroz doce, peru, salmão, biscoito de pimenta, biscoito de aveia, várias frutinhas da região, costeleta de porco e muito mais. Comemos bastante e nos divertimos muito, mas estava tão frio que não pudemos nem sair para dar um passeio pela montanha. Temos muitas esperanças para 2005 – queremos viajar, ir visitar minha prima Andréa e minhas amigas Teca, Made, Macky e Nina na Inglaterra; queremos trazer mamãe para conhecer Oslo assim que a primavera se anunciar; eu espero conseguir um emprego numa editora, ou pelo menos mais um emprego para ajudar a complementar minha renda. Como só tenho aulas até Junho, vou tentar trabalhar mais horas no segundo semestre. Quem sabe assim Eystein pode diminuir as horas de trabalho dele e ter um pouco mais que quatro dias de folga por mês... Se der, quero ir ao Brasil. Se não der, o jeito é colocar Chico Buarque pra tocar, olhar para minhas carrancas, comprar banana da terra e jaca numa loja vietnamita, sentar bem do lado da calefação e fazer de conta que a almofada do meu lado é meu cachorro Tico. A todos vocês um Feliz Natal e um excelente 2005!!!